Um dos poemas de Álvaro Campos que gostei muito foi ”Grandes”, um poema que nos remete a
pensarmos no deserto que a em nossa alma, nas coisas que passam nas nossas
vidas que na maioria das vezes não volta mais, mas apesar de tudo temos que
todos os dias arrumar a nossa mala, nossa vida, nossos anseios, nossos sonhos e
continuar nossa caminhada, sem jamais desistir ou olhar para traz.
Grandes
Grandes são os
desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas
toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o
tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos
e as almas desertas e grandes
Desertas porque não
passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali
se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os
desertos, minha alma!
Grandes são os
desertos.
Não tirei bilhete para
a vida,
Errei a porta do
sentimento,
Não houve vontade ou
ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em
vésperas de viagem,
Com a mala aberta
esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em
companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à
parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os
desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não
vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala
com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das
mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para
adiar a viagem,
Para adiar todas as
viagens.
Para adiar o universo
inteiro.
Volta amanhã,
realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente
absoluto!
Mais vale não ser que
ser assim.
Comprem chocolates à
criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta
porque amanhã é infinito.
Mas tenho que arrumar
mala,
Tenho por força que
arrumar a mala,
A mala.
Não posso levar as
camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho
tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a
vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi
que não chegou a Ápis, destino.
Tenho que arrumar a
mala de ser.
Tenho que existir a
arrumar malas.
A cinza do cigarro cai
sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado,
verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que
arrumar a mala,
E que os desertos são
grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a
respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de repente
todos os Césares.
Vou definitivamente
arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la
e fechá-la;
Hei de vê-la levar de
aqui,
Hei de existir
independentemente dela.
Grandes são os desertos
e tudo é deserto,
Salvo erro,
naturalmente.
Pobre da alma humana
com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale arrumar a
mala.
Fim.
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